sábado, 30 de abril de 2011

luminoso afogado


permanecemos aqui, neste quarto, onde a escuridão é eterna claridade. fora deste lugar nunca viste o mar. mas tudo isto se passou noutro tempo, noutro lugar. e a tua boca deixava na minha um travo de asas salgadas... breves nuvens. o entardecer sobre o corpo estendido na erva fresca do sonho. abrias nas pedras fulvas da praia um sítio para esconder a paixão. cansei-me de te sonhar. cansei-me do sangue e da chuva, da memória dessas rotas difíceis. donte te escrevo apenas uma parte de mim ainda não partiu.
encosto a alma à quilha do navio. deixo-me ir no vaivém das marés e da fala.

al berto

normande



But I hear the boy's voice chaunting sweet,
'Elle est morte, la Marguerite.'

Come in, my son, and lie on the bed,
And let the dead folk bury their dead.

O mother, you know I loved her true:
O mother, hath one grave room for two?

oscar wilde

we are waiting for the summer

quinta-feira, 28 de abril de 2011

lucky old me.



(...) tenho uns caixõezinhos no coração que se

abrem a toda a hora. quando me deito, ouço-os

embatendo de encontro ao peito, talvez com vontade

de ir embora, talvez só por ser o amor tão estreito.

josé

palimpsesto

A felicidade não se mede pela quantidade do que nos aconteceu de agradável, mas pela quantidade de nós que responde ao que acontece. Nunca ficou nada em mim que não respondesse. E nas tintas para a filosofia.

vergílio ferreira

penélope


foto: cátia garcia

Quando a tua maior debilidade é o amor, és a pessoa mais forte do mundo


A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Sophia de Mello Breyner

quarta-feira, 27 de abril de 2011

quis o destino que visitasse o zeca na tarde do dia 25 de abril de '11



Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

sexta-feira, 22 de abril de 2011

freixo

386 madrugadas


«O assento estreito, ajustado à cadeira, sem transbordar, apertado contra si, o busto perpendicular. Todo o seu boleado se travava no limite justo,toda a sua superfície. Enquadrada nas linhas da perfeição. Olho-a e revolvo-me por dentro numa confusão de impulsos. Beijar-te. Não, não, lamechices não. Traçar-te breve com a mão o limite do teu contorno. O pescoço direito mas sem altivez, agora silenciosa, o olhar vivo de lume. Deusa da juventude, Flora pagã. Sinto-a nos meus dentes, na sua realidade intacta de ser. E quente, da substância infernal. Pintava-se pouco e assim a sua carne era verdade desde a fímbria do seu lineamento - que irás dizer amanhã? Fértil pura maciça. Densa como um desejo fortíssimo a estalar - que irás? Tenho as mãos cheias da tua plenitude - não te amo, não. Tenho o corpo batido da tua dureza como de pela de nervo.»

v.f.

reservado


foto: fabrice pinto

«Regresso a casa devagar, perdido , no tráfego da cidade. Então lentamente, a tua imagem oculta, um aceno horrível de outrora. Ah, tu não fazes ideia, Tina. Está bem que tinhas direito a uma definitiva aposentação. Mas eram só mais uns anos, Tina, assim deixas-me bem aflito. Só mais uns anos para que quando te lembrasses fosses só a minha recordação. Coisa fácil e avulsa só de recordar. Entro agora no Campo Grande,lembro-me de acender o rádio. Estou só, qualquer coisa que me faça companhia. Abro o rádio, uma sonata, parece-me, de Beethoven? uma coisa plana e larga como o nome de sonata.Podias ter esperado alguns anos, coisa pouca, o bastante para eu dizer sim à vida infame que me codilhou. O bastante para eu existir por mim. Espera, é a sonata ao luar, não gosto. O gosto dos outros comeu-lhe tudo, não gosto. Mas ouço não aquilo que vou ouvindo, mas o que ouço para lá. Assim tu não és coisa natural de recordar, mas a aflição que está para lá. Estou verdadeiramente embaraçado, tu não podes imaginar no conforto do teu descanso. E então devagar vou até à tua memória que é a realidade fictícia de eu estar bem onde não estou. Memória antiga como o começo do mundo.»

v.f.

acabar com as prateleiras onde se vai buscar o que está mais à mão, ao nível do olhar



«dá sono. e comichão.

isso nunca ninguém te diz, pá!
»

burp

quinta-feira, 21 de abril de 2011

a certeza

de que nada na vida me deixa um sorriso tão grande no rosto como depois de dar um ashtánga sádhana.

nada.

e depois os amigos chegam e a noite segue com o brilho reconquistado e o calor sincero nas palavras.

a vida desponta e quase esquece.




O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas.

josé saramago.

terça-feira, 19 de abril de 2011

eu sei que era para escrever



prometi. nunca falho a essas coisas que saem da boca e tomam responsabilidades de gente.
mas abri os sons e de dentro deles só saem imagens.
deixo um letreiro enorme na auto-estrada.
deixo que as palavras toquem o ar que respiras.
deixa adivinhar que não há viagem sem regresso. por isso, pedes que fique.

e agora que vejo o passar dos anos recordas-me dos dias em que perseguíamos cores e formas que sabíamos não ter.

hoje os dias são esculturas e moldamos como queremos.
chegamos, partimos e voltamos e sempre nos temos.

desligamos as praias de agnés por sabermos o final e desligamos os dedos enlaçados uns nos outros.

desligamos e abrimos janelas , desligamos e voltamos aqui.
são trovões. as árvores quebram, um rio invade a calçada.
todos partem, procuram abrigo.

de ti, espero o pára-raios, espalho tudo para ver o que há dentro e volto a recolher, com ordem e sem embaraço.
desligo. respiro. emudeço. pouso a caneta. adormeço. aqui.




sábado, 16 de abril de 2011

lembram-se do PREC?

eu era projecto, mas o meu pai falava nisso e eu assimilei e quis saber tudo e ainda hoje praqui ando com a revolução nas veias.

quem não agarrar isto com unhas e dentes é um valente panasca.
este país perde a alma por dentro e por fora as linhas com que se cose.

e falo do PREC pq acabo de iniciar o meu PEEC.
processo de emigração em curso (para quem já duvida do prec).

na tv, no único canal que insisto em pôr, apesar dos 70 que dizem que tenho, começa agora mesmo o caimão do moretti, mais um que vi na cinemateca também, que se me entranhou nas veias, e se não fosse sair para dançar agora mesmo, nada, mas nada mesmo nada me arrancava desta sala/quarto/casa/dispensa/águas-furtadas/pista de dança.

a revolução hoje começa lá fora, algures no bairro.
amanhã segue dentro do planeado.

o café chegou depois do bolo, mas


almoçamos.

os estrangeiros passam, a máquina fotográfica sobre a mesa e a carteira à espera de quem a leve.
a senhora que pede trabalho, desespera, quer servir a alguém, quer lavar-lhes a roupa, a alma, quem sabe o sorriso, o desejo e os espelhos vidrados felizes e coloridos.

bolo de papoila.
olhas-me nos olhos.
creio pensar saber o que te vai dentro. mas só tu sabes.
entretanto, gritos cá dentro. a tentar trepar.
porque estamos aqui? porque sentimos este querer tão junto?

tenho uma poltrona. a tua cadeira é mais pequenina e branca.
apetece-me levantar e pegar-te ao colo, cabemos ali na minha poltrona sem problemas.
bates com a cabeça no candeeiro e desatamos a rir. conhecemos a dor e achamos-lhe graça.

falamos. abrimos persianas. sabemos tudo tão claro. e continuamos de mãos dadas.
a mãe. a irmã. o pai. meus e teus.
outros pais e mães sentam-se à nossa mesa. levam-nos o galheteiro.

sabe-me bem dar-lhos para as mãos. como a senhora que lava roupa, sinto-me útil.
como a senhora da roupa, lavo a alma.

reparei que não trazias brincos. como eu trazia aqueles em que ninguém repara.

voltamos. eu subo e tu desces.
eu sozinha, tu em companhia.

subi e cheguei aqui. a estas árvores. não as viste comigo por estares já a descer para a tua vida.
e eu aqui, agora. regresso à minha.

amanhã as árvores estão lá e sento-me no banco. vou lá voltar e dizer que sim.
eu também.

pois



acho que nunca vi nenhum anjo. deve ser esta aversão a formas de religião auto-impostas.

nunca lhe toquei as asas nem senti o bafo quente que respira sobre o meu pescoço à noite.
quero crer que com esta idade, tenho quase a certeza absoluta de que não existem. de que as margens da vida ainda nos dizem que este mundo paralelo, cru e muitas vezes implacável, de vistas curtas, não é para eles.

mas ao que parece, fadas nem sequer se movem nos meandros eclesiásticos. fadas que sorriem ainda menos. asas que abrem braços e cores. alimentos de espírito, de certeza.

e que voam além de nuvens de poeira cinzenta.
raiozinhos de sol. rasgando no céu a palavra «basta».

mon coeur qui bat



Peço-lhe neste instante que faça o favor de concordar comigo que uma cicatriz nunca é feia. Isto é o que aqueles que produzem as cicatrizes querem que pensemos. Mas você e eu temos de fazer um acordo e desafiá-los. Temos de ver todas as cicatrizes como algo belo. Combinado? Este vai ser o nosso segredo. Porque, acredite em mim, uma cicatriz não se forma num morto. Uma cicatriz, significa: “Eu sobrevivi”.


terça-feira, 12 de abril de 2011

estou a um passo de emigrar.
esse passo que falta é o tremido e quase anunciado encerramento da cinemateca.
no dia em que perder este paraíso, saio daqui.

a náusea.

handprint



Your handwriting. The way you walk. Which china pattern you choose. It's all giving you away. Everything you do shows your hand. Everything is a self-portrait. Everything is a diary.

CHUCK PALAHNIUK, Diary


cuidado com o que desejas


foto: salamandrine


o que hoje te cabe na cova de um dente,
amanhã é o pão nosso tão esperado de cada dia.

aperta as mãos uma de encontro à outra e sente como estão juntas, como se encaixam perfeitas. como vieram sempre encontrar o mesmo corpo.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

s.sebastião



Húmido de beijos e de lágrimas,
ardor da terra com sabor a mar, o teu corpo perdia-se no meu.




silence appears to be imposed upon others when true beauty arrives.


road to nowhere, monte hellman, 2010



É na escura folhagem do sono que brilha a pele molhada,

a difícil floração da língua.


eugénio de andrade


vidas que perduram





amores maiores que nos enchem de coragem, que nos avivam os brilhos e apetece ficar.

a dalila.
a sara.
a lara.
tu.

o mundo tão menino. o nosso. encontrado no tempo.
o calor do sol, o cheiro a relva, as paisagens familiares, o cheiro do bolo de chocolate que fizeste para mim. quente no estômago. quente na alma. quente nas mãos.

são os dias e os anos e saber que, até posso dar mais uma cabeçada que estarás aí.
em casa.

vou tentar não dar muitas mais. vou cobrir de flores a estrada. fica descansada :)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

dos meus braços para os teus


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

eugénio de andrade

isadorables



"as she dances and demands the head of Isadora Duncan on a plate"


terça-feira, 5 de abril de 2011

bina gardens


«I mind my own business, I bother nobody, and what do I get? Trouble»

ladri di biciclette, vittorio de sica, 1948

prova superada

carteira, telemóvel, iPod, portátil.
atravessam as ruas escuras do bairro incólumes, imperturbados.

a noite quente traz a gente à rua. ouve-se o nosso fado.
ah, e contornam-se corpos espanhóis que invadem a tasca.

3 trabalhos.
outra noite branca.
sou invencível.

e de um dia para outro

juro que foi mesmo assim,
de um dia para o outro chego a casa e a árvore está verde, toda verde e cheia de folhas gordas e enormes.
o largo tem cores.
as flores caem mais ao lado, pequenas, quase brancas.
o largo tem vida. cheira a relâmpagos.
a sonolência que tarda. o quente das pedras.
cheira a partida.
logo agora que quase chegámos.

sente-se na boca.

i'm here i'm gone



miragem.
ilusão.
vertigem.
sossego.
ombro.
vastidão.
momento.
regresso.
mão.
distância.
frio.
chegada.
silêncio.
colo.
ausência.
fim.

unkle @ brixton academy







the duke spirit


unkle









too much love



I got too much love
As a vision slides

I got too much love
I got too much love
As a motion dies

You figure it's time
For a man to run
You figure it's time
For the falling stars come down on us

Run run run till you think you're made
Run run run till it's you're told you're safe
Run run run till you're overcome
Run run run you're the only one

I got too much love
Don't deceive me now
As the color slows

I got too much love
For a glitter doll
For the rain to unfold

Don't step down


I got too much love
For a glitter doll
As my emotion slides

In another end
In another life
I was on your side

unkle